Autoficção, é assim que Lorena Portela descreve o seu primeiro livro “Primeiro eu tive que morrer”. A razão da designação, cunhada pela escritora Tati Bernardi, é porque o livro não é uma obra autobiográfica, mas leva impresso em si muitas das vivências e memórias da autora.
Aclamado pelo júri popular, “Primeiro eu tive que morrer” foi um daqueles casos raros da contramão do cenário editorial: saiu de uma publicação independente, com tiragem miúda, direto para uma segunda edição, e-book, contrato com editora e agenciamento da autora pela gigante Agência Riff. Fenômeno pautado na divulgação online, a obra começou como um conto que encontrou espaço na vida e no coração de Lorena para se tornar algo mais, um romance.
A jornada da protagonista, propositadamente sem nome, uma publicitária que trabalhava em excesso e negligenciava a saúde, os amigos, a família e as próprias emoções e decide fazer um retiro de dois meses em Jericoacoara, no Ceará, antes de ceder completamente a um processo de burnout pesado, parece dialogar com dezenas, talvez milhares, de mulheres.
O processo de encarar os fantasmas, os traumas, os medos e as angústias de muito do que é ser mulher no mundo de hoje emergem aos poucos em “Primeiro eu tive que morrer”.
“Quanto tempo se leva para morrer?”
A pergunta da jovem heroína perpassa a obra e ainda nos momentos felizes é possível sentir a iminência de uma quase morte nas entrelinhas. Mas o livro não é sobre morrer, é sobre o amor, nos avisa Lorena logo no início. É sobre o amor em todas as suas formas, sobre amar mulheres, amigas, irmãs, seres humanos. Sobre amor-próprio antes de tudo também. Os contornos de romance saídos de um filme água com açúcar estão lá, e-mails e encontros inesperados, propícios e na hora certa, sem falhas ou maiores defeitos, feitos à medida para potencializar as descobertas e fazer fluir a narrativa. Tem ainda um pouco de suspense, um pouco de mistério. O final feliz também está lá e é inevitável não ficarmos radiantes pela protagonista, essa jovem que consegue superar um percurso tão dolorido.
O ponto mais delicado de “primeiro eu tive que morrer” é que falta qualquer coisa. Existem algumas pontas soltas que poderiam ser conectadas para ajudar a jornada a se encerrar de maneira menos óbvia e mais clara. Para mim, como leitora, ficaram uma dezena de perguntas que não são aquelas perguntas saudáveis que ficam a cargo da interpretação e imaginação do leitor ao final de um romance. Talvez o fato do romance ter sido escrito como desenvolvimento de um conto possa ter feito com que falte alguma coesão na narrativa. Não era preciso um grande desenvolvimento, mas conectar algumas poucas linhas antes do final “felizes para sempre”. Dito isso, não deixa de ser uma leitura leve e rápida, que talvez valha a pena.