Revisitar clássicos é sempre um prazer quando gostamos do que lemos, mas mais interessante do que isso é poder alinhavar essa obra com uma análise biográfica. Ficou difícil imaginar? É isso que acontece em “Uma Odisseia: um pai, um filho e uma epopeia” de Daniel Mendelsohn.
Daniel Mendelsohn é um classicista, tradutor, memorialista, crítico literário e televisivo conhecido por seu raciocínio rápido e tiradas argutas. Característica essa presente ao longo de todo “Uma Odisseia”, quando Daniel decide revisitar a vida de seu pai, Jay Mendelsohn, e a relação de ambos durante uma sequência de acontecimentos que envolvem inclusive um cruzeiro temático até a Grécia.
Com pouco mais de 10 livros publicados (traduzidos são apenas 1 no Brasil e 2 em Portugal) o professor do Bard College e editor na New York Review of Books tem nas suas obras mais conhecidas dois títulos: “Uma Odisseia” e “Os Desaparecidos”. Sobre o primeiro já vamos falar, o segundo tem como tema também uma história familiar, os anos de busca de Daniel para reconstruir a história de seis membros da sua família perdidos nas cinzas do holocausto.
Uma Odisseia: entenda a jornada de pai e filho (e o que Ulisses tem a ver com isso)
“Uma Odisseia” conta a história – verídica – da relação entre Mendelsohn e o seu pai, um cientista aposentado e um tanto quanto taciturno. A narrativa revive a vida de Jay, passando por detalhes como a sua carreira, casamento e a relação com o filho. O gatilho para essa volta ao passado é apertado quando Jay decide frequentar um seminário sobre a Odisseia, ministrado por Daniel na Bard College.
O filho aceita a inscrição do pai com uma condição: que ele não ficasse emitindo opiniões pessoais e deixasse as leituras transcorrerem tranquilas. É claro que Jay quebra essa promessa na aula 1, mas a partir dali pai e filho desenvolvem uma rotina cada vez mais intensa nos dias de aula que culmina num cruzeiro temático sobre a Odisseia pelo Mediterrâneo.
Em “Uma Odisseia” a odisseia de Homero é o pano de fundo e não a aventura principal. Os acontecimentos passados e presentes são intercalados com trechos da epopeia e as análises sobre ele em sala de aula. O livro não se preocupa em ser acadêmico ou didático demais, as notas de rodapé e os pequenos comentários estão lá para explicar o clássico e facilitar as associações. O poema de Homero é desmontado para que a história de Daniel e Jay seja contada (e remontada). “Uma Odisseia” aproxima o relato biográfico a análise teórica de uma obra clássica.
O recurso que torna essa viagem possível é construído através de relações associativas que permitem ao narrador contar três histórias em uma só. São necessárias viagens em espirais, “dando muitas voltas”, tal qual Ulisses para chegar ao final.Para quem nunca leu a Odisseia original, ou leu há muito tempo, o livro de Daniel é uma belíssima introdução ou reapresentação e vai te fazer querer (re)ler o épico original, seja por saudade, seja pela lembrança de quão maravilhosa a obra é.
O que mais surpreende em “Uma Odisseia” é o quanto ela é comovente e delicada, apesar de tratar de temas confusos tanto na seara pais e filhos, quanto na interpretação do clássico.
“Uma Odisseia” ainda não foi editado no Brasil e “Os Desaparecidos” foi editado pela editora Casa da Palavra e parece estar esgotado, mas é possível encontrá-lo em algumas livrarias e em segunda mão com uma dezena de vendedores. Em Portugal ambos estão disponíveis online e nas livrarias físicas.