Contra a Amazon: entenda mais sobre a polêmica

Livrarias

As críticas contra a Amazon não são novas: já a alguns anos, com a expansão cada vez mais agressiva da multinacional de tecnologia norte-americana, que pequenas editoras e livrarias vinham aqui e ali fazendo reclamações e protestos tímidos sobre como é impossível competir não só com a logística, mas também com os preços praticados pela empresa.

Com o impacto da pandemia na economia mundial e consequentemente no mercado editorial, essas críticas começaram a ganhar corpo e passaram a serem ouvidas em mais cantos do mundo e fora dos nichos independentes da produção e comércio de livros. No panorama internacional, as críticas e pedidos de boicote já vieram desde a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, até a união de livrarias indie norte-americanas com a criação de um site para unir todas as livrarias numa grande livraria online, o Bookshop.org.

Contra a Amazon: como o movimento começou

O pedido de boicote de Anne Hidalgo contra a Amazon foi uma tentativa de incentivar os cidadãos a movimentarem o comércio local da cidade de Paris que conta com dezenas de livrarias, sem contar os inúmeros sebos/alfarrabistas espalhados pelos quatro cantos. Em março de 2021 foi confirmado o fechamento de 4 livrarias independentes apenas no Quartier Latin, o conhecido centro do conhecimento de Paris.

A descaracterização do bairro, com o surgimento de lojas franqueadas e sem o apelo intelectual da área que conecta as margens do Sena à prestigiada Sorbonne, acaba por contribuir com o declínio desse tipo de comércio. No entanto, a luta pelo direito de resistir das livrarias em especial tem sido um tema comum em todo o mundo.

Em Nova York, a lendária Strand sentiu o baque do combo fechamento do comércio + crescimento do online e ameaçou fechar de vez. A Bookshop conseguiu se transformar no bote de resgate perfeito para as editoras independentes americanas e hoje a cooperativa arrecada mais de 1 milhão de dólares por dia, segundo uma estimativa realizada pelo site LitHub, especializado em notícias, textos e artigos sobre literatura. No site da Bookshop é possível saber como é feita a distribuição dos valores arrecadados.

O cenário brasileiro

O movimento contra a Amazon movimentou também as editoras e livrarias tupiniquins. Não é de agora que, num país de dimensões continentais, existe um debate entre quem precise manter os custos mais baixos para conseguir editar, distribuir e vender e quem alegue que fora do eixo sul-sudeste é impossível arcar com as custas do frete a cada compra de um novo livro.

A discussão já chegou a sites como o Reddit, onde leitores mais apaixonados discorrem sobre os custos a cada novo livro comprado, para não mencionar o tempo da entrega, fatores que uma empresa como a Amazon consegue resolver bem.

De fato, assumir uma postura contra a Amazon no Brasil é também ter em conta a defasagem operacional que atrapalha a experiência do leitor, afinal, quase ninguém gosta da ideia de pagar o preço cheio no site da editora ou livraria (assumindo aqui nenhum tipo de desconto) e no final da compra pagar quase o mesmo valor pelo frete e depois esperar mais de um mês para receber o livro em casa. “Se não gosta migra então para o digital” bradam os impacientes, mas essa não é a resposta, não podemos dizer como uma pessoa deve ler só porque não existe um serviço que seja justo com todos.

Os últimos acontecimentos

Até então, apesar dos posicionamentos, a convivência seguia num clima até certo ponto pacífico, uma guerra fria sem grandes ataques. No entanto, na última semana os ânimos se alteraram com a proposta enviada pela Amazon aos seus fornecedores. No documento, a multinacional estava propondo um novo acordo relativo aos descontos oferecidos sobre o preço de capa dos livros. A proposta era direcionada especialmente às editoras que estavam oferecendo descontos inferiores a 55%, para estas, o documento falava em alterar essa margem para 55% a 58% mais 5% de “plano de marketing”.

Para as editoras independentes, tais valores são impossíveis de serem praticados, principalmente com a nova logística dos centros de distribuição da Amazon, que aumentou os custos das editoras com distribuição, uma vez que os livros passaram a ser enviados para diferentes centros e não mais para uma única central.

(A propósito dessa nova manobra logística da Amazon: os novos centros foram criados para que as entregas em até 2 dias fossem possíveis em mais de 600 cidades brasileiras)

A Libre, Liga Brasileira de Editoras, formada uma rede de editoras independentes, se manifestou através de um artigo publicado por seu presidente, Tomaz Adour, onde diz que aumentar esses descontos é algo impraticável, mas que estão dispostos a manter as operações com a Amazon através de ações criativas discutidas com o mercado editorial e pedem ainda que a alteração do desconto não seja levada em conta pela empresa.

A resposta chegou poucos dias depois na redação do site Publishnews em apenas duas linhas: “Na Amazon, acreditamos que autores, editores e livreiros trabalham juntos para conectar os leitores aos livros. Nós não comentamos acordos específicos com nossos parceiros comerciais”.

O movimento da Editora Elefante

Uma das primeiras editoras brasileiras, se não a única a se posicionar abertamente contra a Amazon foi a Editora Elefante, cujo título “Contra a Amazon e outros ensaios sobre a humanidade dos livros”, escrito por Jorge Carrión e traduzido por Reginaldo Pujol Filho e Tadeu Breda, continua causando o burburinho esperado.

No blog da editora, Tadeu, que é também o editor responsável pela casa, tem um texto onde demonstra através de números e prints como o negócio que a Amazon pratica acaba por ser ruim para todos, até para aqueles que não fornecem diretamente para ela.

Isso porque no texto, o editor mostra que, apesar de eles não disponibilizarem seus títulos no site da multinacional, ainda assim eles são encontrados lá, oferecidos por terceiros e a preços muito mais baixos do que seria viável. E completa:

“Sabemos que os livros não são baratos no Brasil. Mas, sobretudo no caso de editoras independentes, e certamente no caso da Editora Elefante, não se trata abuso: fazemos as contas aqui com a corda no pescoço para que o livro saia de nossos depósitos com o valor mais baixo possível, em uma cadeia que vai distribuir renda entre todos os nossos colaboradores — e entre os pequenos livreiros e seus colaboradores.”

De fato, a discussão é muito maior e mais complexa do que faz crer o editor, que atenta para a ética ou sentido de humanidade do leitor, ou os leitores do Reddit que tendem a achar que as coisas são como são e as editoras vivem num mundo de fantasia. Daqui, aguardaremos cenas dos próximos capítulos.

 

Atualização: enquanto esse artigo era finalizado, chegou a notícia, através da coluna de Ancelmo Góis do jornal O Globo, que o Rio de Janeiro perdeu hoje a sua livraria mais antiga: a Livraria São José. A loja funcionava numa sala modesta na Rua da Quitanda, no centro da cidade, mas já chegou a ter três lojas na Rua São José com um estoque de 100 mil livros. Fundada há 85 anos, é mais uma que se vai. 

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