Uma época conturbada na história da Europa: o reinado de Henrique VIII. Um personagem obscuro e pouco estudado: Thomas Cromwell. A proposta de um novo olhar para os acontecimentos que envolveram uma das cortes mais polêmicas da história do Ocidente. Essa é a matéria-prima da “trilogia Wolf Hall” de Hilary Mantel – para não haver confusão é importante dizer que a trilogia é oficialmente denominada Trilogia de Thomas Cromwell.
Nascida em 1952, em Glossop, na Inglaterra, Hilary possui catorze livros publicados, mas os dois primeiros volumes da sua trilogia já foram duas vezes vencedores do Booker Prize e finalistas de outros tantos prêmios.
O primeiro livro foi lançado em 2009, o segundo em 2012 e o terceiro virá à público em 2021 – no Brasil, pois em Portugal ele já está disponível –, 12 anos depois do segundo volume. O terceiro livro não levou o Booker Prize, mas foi considerado um final fantástico e recebeu depoimentos que afirmam que a autora redefiniu do que um romance histórico é capaz, com prosa e lirismo, com linguagem culta e coloquial, num escopo inédito na literatura.
Wolf Hall: saiba por que deve começar agora a leitura
Apesar do reconhecimento do público e indicação aos prêmios, Wolf Hall chega somente agora para os leitores de língua portuguesa. Publicado pela Todavia no Brasil e pela Presença em Portugal, ambos em 2020, a história de Thomas Cromwell chegou finalmente ao furor do público que lê em português.
A história foi adaptada, com auxílio da autora, para a TV numa adaptação da BBC e para o teatro numa produção da Royal Shakespeare Company.
Se você gosta de romances históricos, tem tudo para se deleitar com o capricho de Mantel no primeiro livro da trilogia que irá abordar o reinado de Henrique VIII: foram seis rainhas, muitas mortes, traições e complôs no reinado mais comentado da monarquia britânica. E tudo isso sob a perspectiva de um personagem que não se sabe muito bem como, mas galgou os degraus necessários até se tornar o braço-direito do Rei. O Thomas Cromwell que nos é dado a conhecer é o homem construído nas lacunas dos registros históricos, uma figura que é mais do que apenas que se digna a realizar os trabalhos sujos impostos pelo Rei. Quase 480 anos depois, Cromwell ganhou mais uma demão de vida com Wolf Hall.
A precisão histórica, assim como a menção aos mais variados personagens, não se detém para mais explicações. No início do livro existe uma espécie de índice com o nome dos envolvidos e citados na cronologia do romance, mas não mais do que isso. Confesso que algumas vezes foi preciso pausar a leitura para fazer uma checagem de fatos e entender o que estava acontecendo naquele momento.
O romance é elaborado e brilhante, daqueles livros que podem ser lidos em qualquer época sem prejuízo do requinte literário. Na edição brasileira, a tradução de Heloísa Mourão é impecável e ajuda na manutenção do ritmo da narrativa, que é clássica, sem ser engessada. Wolf hall é uma leitura densa, exige atenção e talvez demande do leitor alguma imersão na história para compreensão total dos acontecimentos. Desnecessário dizer então que uma boa tradução é imprescindível para que a fruição aconteça sem deixar a leitura truncada.
Mantel: uma paixão antiga e algumas curiosidades sobre a autora
Hilary não é novata na escrita de romances históricos ou enredos ligados à política. Uma curiosidade sobre a autora é que o seu sonho era ser historiadora e a vontade de escrever uma obra ligada à história surgiu quando ela procurou um livro sobre a Revolução Francesa e não encontrou nada que a encantasse, sendo assim começou ela mesma um livro sobre o tema.
Assim nasceu A place of greater safety ou, na edição brasileira editada pela Editora Record, A sombra da guilhotina. Uma ficção histórica sucesso de público e crítica sobre a revolução que mexeu com a Europa.
Mantel também chegou a ser investigada pelo governo britânico acerca de uma declaração dada em entrevistas, nos anos 80, onde afirmou que fantasiava várias vezes com um possível assassinato de Margaret Thatcher. Isto porque, apesar de discorrer, recriar e falar sobre a monarquia e o poder público, a autora sempre deixou claro o seu desprezo por boa parte dos integrantes do sistema. Contraditório? Talvez. Pode ser só o caso de um artista que consegue separar muito bem o seu fascínio pela matéria da qual é composta a história do mundo, ou pode ser também mais uma excentricidade para associar alguma polêmica ao valor das obras e movimentar a sua imagem e o mercado. Vai saber.