Garota, mulher, outras: o tour de force de Evaristo

bernardine evaristo

O ano de 2020 colocou Bernardine Evaristo no mapa da literatura mundial com Garota, mulher, outras. A obra, vencedora do Booker Prize 2019, já foi considerado com um dos melhores romances do ano e com certeza já está nas listas de “tem que ler”.

Barack Obama falou sobre ele, o The Guardian o considerou o livro da década. Mas o que tem o livro de tão especial? Bom, basicamente tudo. Desde a sua autora até os detalhes da narrativa, Garota, mulher, outras é uma obra densa, realista e bela.

Bernardine conseguiu com o livro o feito de ser a primeira mulher negra a receber o Booker Prize, considerado o maior prêmio literário britânico. A autora, de origem nigeriana, alcançou uma visibilidade que pode ser considerada importantíssima para o mercado editorial. O romance é o oitavo livro da autora, mas o primeiro a ser publicado nos países de língua portuguesa e talvez o primeiro a ganhar notoriedade global, que também é dramaturga, professora de escrita criativa na Burnel University London e vice-presidente da Royal Society of Literature.

Garota, mulher, outras: um feito brilhante

A premissa de Garota, mulher, outras é conhecida: dar voz às mulheres historicamente invisibilizadas em todas as esferas. O livro poderia ser um grande clichê e cair no limbo planfetário sem acrescentar muito ao panteão literário, mas não.

“Para as irmãs & manas & minas & monas & as mulheres & mulherxs & mulherões & a mulherada toda & nossos manos & chegados & parças & bróders & nossos homens & caras & pessoas LGBTQI+ da família humana”

Garota, mulher, outras é dividido em cinco partes, aonde as quatro primeiras partes apresentam e contam as histórias das personagens e a última parte é o momento em quem todas se encontram. Não que elas não se conheçam antes – e essa talvez seja uma das magias deste romance – muitas delas tem as suas narrativas entremeadas, conhecem de alguma forma umas às outras, e essa característica aproxima o leitor das garotas, mulheres, outras apresentadas: elas poderiam ser (e são) pessoas que esse leitor (re)conhece de alguma maneira da faculdade, da escola, da loja de departamento, do serviço de limpeza, do teatro, uma professora, uma diretora, uma ativista, uma economista, uma diarista.

O sistema endurece Shirley, engole LaTisha, converte Carole. A história de Winsome traz também uma série de referências literárias de países da América Central, enquanto a narrativa de Yazz desfila uma série de autoras feministas e artistas negros.

Com quantas dessas mulheres e meninas nos cruzamos todos os dias completamente alheios às suas histórias e ainda assim tão rápidos em proferir um julgamento?

São 500 páginas de uma narrativa repleta de referências culturais e tesouros escondidos de bibliografia literária sobre estudos culturais. Audre Lorde, Aimé Cesaire, Bell Hooks, Angela Davis, Cornel West, Julia Kristeva e Kwame Anthony Appiah são alguns dos muitos nomes citados o que faz com que o leitor possa começar uma lista de leitura paralela para entender sobre a mensagem que Evaristo quer comunicar.

Tantas referências não atrapalham o engajamento da obra, assim como não conspurcam a sua poética. Os parágrafos não se iniciam por letras maiúsculas, a métrica das frases e o fluxo da escrita são únicos e assim, Garota, mulher, outras é também um livro cheio de poesia.

É muito difícil pousar o livro e encerrar a leitura. Cada novo perfil, cada nova trajetória começa, com o seu próprio ritmo e um desfecho inexorável. A impressão é de que os destinos estão definidos desde a primeira linha, e ainda assim, é normal a sensação de torcer pela personagem esperando que o final seja diferente, como mágica.

Por aqui, penso que ler mais de uma vez Garota, mulher, outras será uma atividade necessária. Não só para buscar os mais diferentes easter eggs inseridos pela autora, como também para ajudar a assentar tantos percursos e tanta diversidade. Sem dúvida, um livro para a categoria “tem que ler”.

Adendo: chegou ao meu conhecimento apenas hoje um texto ótimo, escrito pela tradutora da obra no Brasil e publicado pelo blog da editora, que fala sobre a experiência de traduzir uma obra como essa. Ficará disponível nesse link aqui.

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