Cumbe, novela gráfica do paulistano Marcelo D’Salete, é magnífico. Essa frase sozinha poderia resumir tudo que pode ser dito ao longo dessa resenha, que é muito mais uma “questão de opinião” do que uma resenha propriamente dita.
A primeira edição foi publicada em 2013 em um projeto realizado com o apoio do Governo do Estado de São Paulo. Em 2014 a obra foi considerada pela crítica especializada uma das principais HQ do ano, o mesmo aconteceu em 2017 nos Estados Unidos.
Em 2015 Cumbe foi indicada ao prêmio brasileiro HQmix, em 2017 foi indicada ao Rudolph Dirks Awards na Alemanha e premiada com o Eisner Award em 2018 na categoria Best U.S. Edition of Internacional Material.
Cumbe foi publicado na França, Itália, Áustria, Espanha, Estados Unidos e Portugal. A edição portuguesa ficou a cargo da Editora Polvo e o livro foi selecionado pelo programa Ler+ como proposta de leitura para a rede escolar.
Cumbe e o realismo mágico
Indicado pela editora para jovens a partir de 12 anos, Cumbe é dividido em 4 histórias. Todas as narrativas retratadas na obra versam em cima do tema da escravidão e da resistência negra no Brasil colônia. São histórias protagonizadas por escravizados, uma realidade dura entremeada pelas nuances dos sentimentos humanos, isto é, as narrativas não são pautadas apenas pela violência extrema, mas não se negam a retratar a realidade violenta.
Não existe em Cumbe espaço para a romantização do sofrimento, mas existe espaço para percebemos a humanidade nas ações de cada personagem: o desespero, o amor, a saudade, a fé. A HQ amplia as visões de leitura do passado histórico brasileiro lido e contado sempre pelo viés do colonizador. Esses detalhes poderiam levar a obra para um tom de redenção ou de panfleto e propaganda, mas Cumbe vai além e expõe uma visão consciente de mundo, aonde a tomada de consciência e o protagonismo da história mudam de mãos.
David Taugis, em comentário sobre a obra para o site Actua BD, um site francês especializado em HQ, disse “Na verdade, Marcelo D’Salete permite-se aventuras oníricas, nas quais a esperança é um lugar. Mas esses elementos são como pausas, antes de fazer o leitor mergulhar nas realidades implacáveis.”.
A linguagem banto é, na verdade, um tronco linguístico que deu origem a diversas outras línguas do continente africano. Por isso, algumas palavras em banto podem ter mais de uma interpretação e tradução. Cumbe, por exemplo, é rica em sentidos e pode ser traduzida como “o sol”, “o dia”, “a luz”, “o fogo” e como sinônimo para quilombo. Que é sinônimo de resistência. O final da obra conta com um glossário para ajudar o leitor a entender expressões e vocábulos herdados não só de línguas estrangeiras, mas também da linguagem coloquial do período, mantida nas narrativas.
A segunda edição, publicada em 2018 pela editora Veneta, traz algumas novidades como novo posfácio do autor e desenhos inéditos, como esboços e estudos.
Do autor também foi publicado, em 2017, Angola Janga. A HQ também realizada com o apoio do Governo do Estado de São Paulo, venceu o Prêmio Jabuti e o Troféu HQ Mix em 2018 e levou 11 anos de pesquisa para ser finalizada.